*contém spoilers
Pois é, lolovers. Beleza Fatal está chegando ao fim.
Como boa noveleira, fui fisgada (mesmo com críticas) pela trama de Raphael Montes, a primeira novela do canal de streaming Max, que resgatou a essência dos grandes folhetins e os clichês de vinganças, crimes e paixões, temperados com crítica social.
E não estou sozinha nessa. Das mesas de bar às redes sociais, Lola e a atuação pra lá de carismática de Camila Pitanga dominam conversas e rendem comparações com a vida real.
Só que, nesse caso, semelhanças não são meras coincidências.
Lola é a vilã perfeita para o mundo contemporâneo: exagerada, sedutora e capaz de esconder seu caráter duvidoso sob uma imagem moldada pelo universo digital. Ambiciosa, ascende socialmente ao se casar com Benjamin Argento (Caio Blat), cirurgião plástico e herdeiro de um império da beleza.
Sua história se entrelaça com a de Elvira (Giovana Antonelli), que busca justiça pela morte da filha durante uma lipoaspiração com o controverso Rog, o "Dr. Peitão"(Marcelo Serrado), e Sofia (Camila Queiroz), obstinada em vingar o assassinato da mãe.
A novela escancara, sem sutilezas, um universo que já estamos cansados de ver, dominado pelo espetáculo da vida privada, valorização excessiva da imagem, festas no estilo "farofa", e, claro, venda de soluções estéticas milagrosas.
Com essa fórmula, Raphael Montes acerta não apenas na trama instigante, mas no olhar para uma cultura na qual, segundo a historiadora Denise Sant’Anna, a beleza virou mercadoria, e o embelezamento, gênero de primeira necessidade.
Nesse universo, cirurgiões viraram celebridades, influenciadoras se tornaram empresárias, o corpo se transformou em projeto de constante renovação e a ideia de ser jovem e magro passou a ser vendida como chave para ascensão social e realização amorosa.
E se o preço dessa "perfeição" é alto, não tem problema, my loves: a fórmula do sucesso pode ser parcelada em longas e suaves prestações, pois como diz Lola em um dos episódios, facilitar o pagamento é "facilitar o acesso pra classe média que quer parecer rica".
Sobre isso, Denise Sant’anna aponta que procedimentos estéticos fomentam a ilusão de que é possível "trocar o mundo incerto dos pobres pelo universo imaginado dos ricos”.
Não por acaso, o figurino assinado por Kika Lopes, exagera na logomania. Os pijamas Gucci de Rog, o conjunto esportivo Celine e as bolsas Valentino de Lola soam como crítica à ostentação no mundo da beleza e o uso disso, nas redes sociais, como arma de sedução para lucrar com a insegurança das pessoas.
Na construção do figurino, há, inclusive, um recorte de classe evidente. O exagero nos logos aparece nas roupas de quem ascende socialmente e faz questão de reivindicar sua nova posição social, como Lola e Rog. Já a família Argento, ricos e familiarizados com o luxo, usam estes códigos nas roupas com discrição.
O exagero proposital se repete na construção de Elvira, que usa e abusa de estampas vibrantes, batons vermelhos e unhas longas estampadas com imagens religiosas. Fora do universo do alto luxo, ela usa os códigos de sua classe social para afirmar vaidade, beleza e cuidado de si.
Em Beleza Fatal, nem os pets escapam do culto à imagem. Lolindo, o cachorro de Lola, tem os pelos escovados, franja modelada e usa uma gargantilha de ouro.
Nada muito distante da realidade.
Segundo o portal Business of Fashion, a previsão é que a indústria global de animais de estimação aumente o faturamento de US$ 320 bilhões para US$ 500 bilhões anuais, com marcas como Dolce & Gabbana, Fendi, Miu Miu e Prada lançando perfumes, loções hidratantes e roupas de luxo para cães e gatos.
Por outro lado, a novela também mostra que privilégios e acesso a um padrão de beleza celebrado não garantem felicidade ou satisfação pessoal. Gisela (Julia Stockler), herdeira da clínica Argento, é submetida ao terror psicológico praticado pelo marido Rog em relação a sua aparência, o que a torna refém do casamento infeliz e vítima de dismorfia corporal.
Essa, na minha visão, é uma das tramas mais contundentes da novela, pois escancara como a cultura da beleza é especialmente cruel com as mulheres.
Para elas, “ser bonita” é uma obrigação, imposta desde o nascimento, enquanto para os homens, uma escolha. Comove a cena em que Elvira, mãe da jovem morta em uma lipoaspiração, diz que “se sente culpada por ter ensinado a filha a ser vaidosa”.
No fim das contas, Beleza Fatal não é só uma novela sedutora.
No país que lidera o ranking mundial de cirurgias estéticas faciais, segundo levantamento de 2023 da Sociedade Internacional de Cirurgias Plásticas, a trama atua como um espelho da cultura, na qual, em maior ou menor grau, estamos todos imersos, e é tão efêmera, superficial e impiedosa quanto o universo cor-de-rosa da Lolaland.
Referências:
Livro História da Beleza no Brasil, de Denise Bertuzzi Sant’Anna
BOF - Business of Fashion
A Skincare routine - for your dog https://www.businessoffashion.com/articles/beauty/luxury-pet-grooming-beauty/
Dolce &Gabbana launch Perfume for Dogs https://www.businessoffashion.com/news/luxury/dolce-gabbana-launch-99-perfume-for-dogs/